Escrito por: Julianne Rossi
Uma das buscas mais recorrentes para a hipnoterapia envolve o tratamento para compulsão alimentar. É muito comum, inclusive, que essas pessoas tenham recorrido à inúmeras alternativas como dietas, terapias convencionais, endocrinologistas, práticas de exercícios, tratamentos estéticos, entre outros, e se sentem frustradas pela ausência de resultados.
Aqui, é válido ressaltar que a hipnoterapia não contrapõe nenhuma outra abordagem, pelo contrário, o olhar multidisciplinar é sempre muito bem-vindo, mas claramente quando o indivíduo não avança em nenhuma de suas buscas, algo é certo: há uma causa mais profunda que não foi descoberta e devidamente trabalhada.
Outra situação muito comum é de pessoas que passaram por procedimentos como a bariátrica e, embora tenham atingido o peso adequado, continuam comendo compulsivamente e acabam passando mal pela quantidade inadequada de alimento frente as novas necessidades do corpo.
Dentre as queixas, as mais recorrentes envolvem compulsão por doces, mas há também aqueles que citam que necessitam estocar comida e vivem ‘’atacando’’ os armários e geladeira na primeira situação de ansiedade do dia. E pior, muitos comem sem ao menos perceber.
Diante dos relatos, todos agregam informações como: ‘’sofro de ansiedade e desconto na comida’’. Contudo, o que muitos não entendem, é que a ansiedade é uma resposta subconsciente do nosso sistema de preservação, que entra em estado de alerta para nos proteger de algum perigo. É um mecanismo natural e biológico em prol da preservação da vida.
Qual o perigo que circunda essa mente?
Erroneamente muitas pessoas se justificam dizendo que tem atos compulsivos não somente sob estresse, mas também quando estão em casa, em ambientes tranquilos e vivendo situações aparentemente corriqueiras.
O fato é que a nossa mente é atemporal e adimensional, ou seja, os impactos sofridos seguem registrado e reverberando em nossas ações independentemente de quando, como ou onde aconteceram, exercendo influência direta até que sejam verdadeiramente tratados.
Como funciona os casos tratados pela hipnoterapia? E de compulsão alimentar?
São muitos os casos tratados pela hipnoterapia e muito embora cada cliente tenha suas peculiaridades e histórias de vida, a proposta de trabalho é universal: buscar a emoção que está por trás do sintoma (compulsão), entendendo que essa prática é resultado de um padrão emocional que precisa ser tratado.
Logo, no consultório buscamos a emoção que norteia esse padrão e toda a sua construção ao longo da história de vida da pessoa, a começar pela primeira vez que foi sentida (evento causador inicial), considerando que significa a primeira vez que a mente sentiu a emoção e aprendeu determinada associação.
Dentre as ‘’raízes emocionais’’, é extremamente comum indivíduos que desenvolvem padrão de compulsão para preencherem vazios, por terem se sentido abandonadas, rejeitadas, não pertencentes ao núcleo familiar, entre outros, buscando literalmente preencher o vazio por meio da comida que, por sua vez, é altamente associada com prazer e satisfação, na tentativa de suprir o ‘’déficit emocional’’.
Outra associação bem corriqueira, é a compreensão do subconsciente sobre a necessidade de ser ‘’grande, forte’’ para aguentar tudo, ou seja, normalmente acontecem com pessoas extremamente sobrecarregadas que tendem a dar conta de tudo e, muitas vezes, literalmente escondem as suas fragilidades diante desse ‘’grande corpo’’, desenvolvendo a obesidade.
Não menos comum, há também casos de vítimas de abuso sexual que devido à violação sofrida entendem, a nível subconsciente, que desenvolver obesidade pode protegê-las de novos ataques, resultando em um corpo que foge dos padrões estéticos socialmente aceitos, com o intuito de diminuir as chances de serem vistas e desejadas.
Outro ponto importante a destacar é que todos nós, em algum nível, possuímos memórias afetivas com os alimentos, como por exemplo, os bolinhos da avó, o almoço em família ou alguma outra comidinha especial, envolvendo um contexto sentimental que gerou acolhimento, alegria, prazer, entre outros.
Busca pelas mesmas emoções
Então, existe uma tendência da busca pela comida visando sentir as mesmas emoções. É o famoso: ‘’gosto de comer para comemorar quando estou muito feliz, e também gosto de comer para me acolher nos momentos que estou muito triste, nervoso e/ou entediado’’.
Por isso, torna-se um grande problema quando a pessoa chega em uma fase da vida em que a comida passa a ser a sua única fonte de prazer na vida.
Ainda que as hipóteses frente às raízes emocionais para a compulsão alimentar e obesidade sejam múltiplas, costumo evidenciar para os meus clientes que a mente é uma verdadeira caixinha de surpresas, para que estejam completamente abertos a essa busca interior, pois há sempre meios de sermos surpreendidos devido às associações criadas pelo nosso subconsciente, que é literal e não faz juízo algum de valor, afinal o certo, errado, bom ou ruim são construções sociais e culturais.
Relato de caso na Hipnoterapia e a Compulsão Alimentar
Dentre os casos mais marcantes no universo da hipnoterapia envolvendo a obesidade e compulsão alimentar, ressalto o de uma mulher que se apresentou com queixas inicial a compulsão alimentar, que resultou em obesidade e também uma profunda dificuldade em perder peso, considerando muitas tentativas frustradas.
No pré talk, que é o momento em que conversamos com o cliente para compreender melhor as suas demandas e também já levantar algumas hipóteses de possíveis padrões, foi perceptível que além da compulsão alimentar, existia também um alto nível de ansiedade, dificuldades em se relacionar amorosamente, como também profissionalmente, já que não conseguia concluir suas atividades e planos por excesso de procrastinação.
Ainda nessa conversa, relatou que era filha adotiva e se sentia muito grata por sua família, por todo amor, suporte e cuidados, demonstrando estar muito bem resolvida com essa parte de sua história.
Contudo, é muito comum que a nossa mente consciente expresse exatamente o contrário daquilo que está no subconsciente, e isso fundamenta muito a frase: ‘’a sua mente pode ser a sua pior inimiga’’, quando não está verdadeiramente alinhada.
Durante a hipnoterapia, após evidenciar muita angústia e tristeza, relatou como emoção principal da sua compulsão o abandono que, por sua vez, gerava um vazio enorme. O evento causador inicial (ECI) desse vazio, ou seja, a primeira vez que a cliente sentiu a emoção de abandono, foi ainda na vida intrauterina, pois a sua genitora estava rejeitando a gestação.
Outro ponto extremamente relevante, é que ela relatava a percepção de uma fraqueza profunda, relatando que possivelmente a mãe não tinha o que comer. Na sequência, relatou também o momento de seu nascimento e da sua entrega para adoção, uma vez que foi deixada com a enfermeira logo após o parto.
Este ponto foi um dos mais sensíveis e emocionantes da terapia, pois apesar de ter se sentido extremamente assustada, acuada e também abandonada, ela conseguiu perceber o sofrimento de sua genitora, relatando detalhes que não lembrava conscientemente, como a sua aparência, as evidências de uma pessoa totalmente sem recursos e, também, o seu desespero em entregá-la.
Imediatamente conseguiu perdoá-la e trabalhar essa dor dentro de si, pois por mais difícil que tenha sido, acreditou que o melhor ocorreu e era muito grata pela família que a adotou, cuidando com muito amor, carinho e recursos para o seu desenvolvimento.
Alguns outros eventos ao longo da vida reforçaram esse padrão de abandono, e a própria cliente relatou, após o atendimento, o quanto ficou surpresa da sensação de fraqueza por falta de alimento que sentiu com essa memória da vida intrauterina, contando que uma prática que ela fazia comumente era estocar comida, gerando até brincadeiras na família, pois as pessoas diziam que ela parecia ter medo de passar fome diante da necessidade de ter tantos alimentos ao seu redor, incluindo as gavetas de sua mesa do trabalho, e a mesma complementou dizendo que isso trazia uma espécie de “segurança emocional”.
Além disso, como já percebido, a própria sensação de vazio em si pelo abandono no início de sua vida, gerou essa necessidade de buscar meios de se preencher.
Outro ponto muito interessante, é que por ter trauma de abandono, passou a ter dificuldades para se relacionar, pois a sua entrega nunca era completa justamente com o medo de o parceiro ir embora e ela novamente sentir a mesma dor.
Com a necessidade constante de se proteger, criando uma espécie de “armadura” em suas relações afetivas, passou a desenvolver um estado de alerta e consequente quadro de ansiedade generalizada.
Além disso, um dos pontos observados nos processos terapêuticos, é que pessoas que estão presas em dores do passado, tem maiores dificuldades em caminhar na vida de forma fluída, justamente por se sentirem presas à dores, padrões, entre outros.
Ainda mais quando esses emaranhados envolvem aqueles que nos deram à vida, a forma de se relacionar com o mundo e as possibilidades tende a ser uma consequência dessa primeira relação.
Foi uma terapia muito intensa, relativamente longa já que ficamos em torno de cinco horas no consultório, contudo, quando paramos para pensar que em um único atendimento conseguimos literalmente ‘’virar a chave’’ da vida da pessoa para iniciar uma jornada muito mais leve e próspera, a noção do tempo de torna muito relativa.
Resultados
Essa cliente em poucos dias mandou o feedback sobre ter perdido 05 kgs sem ter feito nenhuma dieta, pois conseguiu comer apenas o suficiente para se nutrir ao longo do dia.
E estava animada para retomar as suas práticas de exercícios físicos e acompanhamento nutricional para aprender a se alimentar corretamente, certa de que agora não teria mais impasses, pois a sua mente estava alinhada e saudável após ter desenvolvido meios para se nutrir também emocionalmente, tornando o processo de emagrecimento natural e fluido.
Meses depois, enviou mensagem avisando que não somente tinha retomado os estudos, agora certa da carreira que queria trilhar, como também passou a empreender em um novo negócio, relatando ter muito mais ânimo e energia para viver.
Além do mais, a qualidade dos seus relacionamentos se elevou drasticamente pois conseguiu se conectar ainda mais as pessoas ao seu redor.
E sobre a sua família, tornou-se ainda mais grata pela oportunidade de ter encontrado pais que possibilitaram que ela tivesse um lar, e seguiu sem qualquer interesse de buscar mais informações sobre a sua genitora, mas certa de que independente de suas decisões e dificuldades vividas, tem um lugar em seu coração pois possibilitou que viesse ao mundo escrever a sua história e, agora, caminhar para uma vida cada vez mais extraordinária.
Por fim, ressalto que cada atendimento é um aprendizado e a oportunidade de refletir sobre a nossa própria jornada, por isso fica a reflexão: não importa o que tenha acontecido na sua vida e o tamanho das dores que carrega, mergulhar para dentro de si e fazer as pazes com o passado vai possibilitar trilhas novos caminhos mais leves e produtivos.